domingo, 7 de março de 2010

Poetas




Aqui na orla da praia, mudo e contente do mar,
Sem nada jà que me atraia, nem nada que desejar,
Farei um sonho, terei meu dia, fecharei a vida,
E nunca terei agonia, pois dormirei de seguida.

A vida é como uma sombra que passa por sobre um rio
Ou como um passo na alfombra de um quarto que jaz vazio;
O amor é um sonho que chega para o pouco ser que se é;
A gloria concede e nega; não tem verdades a fé.

Por isso na orla morena da praia calada e sò,
Tenho a alma feita pequena, livre de màgoa e de dò;
Sonho sem quase jà ser, perco sem nunca ter tido,
E comecei a morrer muito antes de ter vivido.

Dêem-me, onde aqui jazo, sò uma brisa que passe,
Não quero nada do acaso, senão a brisa da face;
Dêem-me um vago amor de quanto nunca terei,
Não quero gozo nem dor, não quero vida nem lei.

Sò, no silêncio cercado pelo som brusco do mar,
Quero dormir sossegado, sem nada que desejar,
Quero dormir na distância de um ser que nunca foi seu,
Tocado do ar sem fragrância da brisa de qualquer céu.

Fernando Pessoa


[fotografia de Daniela Morgado]

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