domingo, 29 de março de 2009

ruínas.


O tempo agarra-se às paredes, faz estalar todos os pedaços de ti que esta casa ainda guarda. Consigo cheirar o teu cabelo pela manhã, quando em mim ainda tudo é sonho. E, agora que a Primavera faz avançar os corpos, tiro o pó das palavras que deixaste morrer em cima da mesa e guardo-as nesse beijo que ficou por dar.
As janelas estão baças desde aquele pôr do sol.
Não voltarei a ver outro sem ti.


Fotografia - Daniela Morgado

sexta-feira, 27 de março de 2009

lixivia,

[A casa parece esconder velhas poeiras aos cantos. Pedaços pegajosos que não querem partir, que se agarram à lembrança e fazem os olhos tremer de incómodo. Assopro. Esvoaçam os mal dizeres e morrem as esperanças no vento, mas o que parte já não se deseja. Não custa.

Uma lufada de ar fresco.
Voam as palavras, esborrata-se a tinta... zangam-se e atropelam-se ao sair, desarrumam o bem estar.

Ah integridade. Todos a possuísem.
Vou dedicar-me ao yoga.]

domingo, 22 de março de 2009

plastic.


A sentença dos gestos tímidos que guardo,
morre na beira mar do desejo e enche-me de pecado os sonhos.

terça-feira, 17 de março de 2009

quando o tempo não existe.

Sinto o mundo fugir-me dos pés. Já não calculo esse passo final entre o racional e o abismo da loucura. Desfaço-me aos poucos. Por cá deixo primeiro os sonhos, que deles nada mais restará senão a memória de um último sussurro que ficou por decifrar. Desejos… são sempre os desejos que se prendem aos nós na garganta, qual gosto amargo esse que chama o arrependimento e desdenha da timidez.
As recordações, deixo-as também. Despeço-me de cada uma com uma última imagem e, num segundo, cabem mais que todas as estrelas. Como se num momento nos sugassem tudo o que esperámos levar para outras dimensões. Cuidarei de deixar que fiquem também palavras para os que não partem comigo, em jeito de agradecimento pelas horas de entrega…

Respiro fundo…
O som do mar.

Não falta muito. As nuvens parecem formar uma bolha de algodão para que não seja este o momento final. Por instantes, consigo sorrir. O mundo afinal consegue ser irónico.
O som do mar dava-me a certeza do que estava por debaixo de todo aquele branco. Vinham-me à cabeça as teorias do nada e o do vazio e sentia-me experimentar já um pouco desse outro espaço de tempo.

Volto.
O som do mar. Mais forte. Cada vez que a espuma embatia contra as rochas lá em baixo, soava a algo desejado, uma última exigência. Puxava de mais por mim, desconcertava-me os pensamentos que se atropelavam nas esquinas do irreal. A força da água parecia entrar em mim e tentar roubar a última coisa que restava.



Não, as loucuras não deixo aqui, que sempre foram elas que me alimentaram a esperança.

segunda-feira, 16 de março de 2009

fim do mundo.

[Fotografia por Daniela Morgado]


Deixo as horas em casa. Não tenciono lembrar-me delas, não quando o som dos pássaros me traz esse final de tarde distante de costas sobre a relva, onde o céu era feito de canções e nuvens que, como nós, fugiam ao tempo.

Sinto ainda o calor desse sorriso encostado ao ombro, desse caos que deixaste dentro de mim.

sexta-feira, 13 de março de 2009

(in)temporal.

Sento-me na calma do raciocínio. Hoje as ideias surgem devagar e à medida que os desejos se enrolam, os olhos parecem querer apagar tudo o que os rodeia. Sonho com o tempo. Ou com a sua ausência. Momentos efémeros que, por instantes, quase podiam ser uma vida, ocupam-me agora as palavras.
Podia dizê-los de uma só vez, sem esperar roubar-lhes a essência. Mas a quietude de tudo o que é vago parece tão apetecível.

Quando os sonhos não têm moradas acabam sempre por permanecer debaixo dos telhados memória. E, se um dia, algum deles fugir será por culpa desse nome que nunca proferi.